segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O MÉDICO, O ENCANADOR E O ELETRICISTA.

FERNANDO AZEVEDO

Desde que li o primeiro livro de Rubem Alves que senti uma identificação enorme com seus pensamentos. Não discordo de nada, praticava e pratico suas ideias muito antes de conhecê-lo, sobretudo nessa área onde atuo, com crianças e consequentemente com a saúde e educação delas. Agora leio O MÉDICO e lá está tudo que se precisa saber sobre essa arte descrita por um pedagogo, filósofo, poeta, ensaísta, teólogo, psicanalista uma das maiores inteligências que esse Brasil possuiu e que 2014 nos roubou. Na apresentação escreve:
“Instrumentos musicais existem não por causa deles mesmos, mas pela música que podem produzir. Dentro de cada instrumento há uma infinidade de melodias adormecidas, à espera que acordem do seu sono. Quando elas acordam e a música é ouvida acontece a Beleza e com a Beleza, a Alegria. O corpo é um delicado instrumento musical. É preciso cuidar dele. para que ele produza música. Para isso, há uma infinidade de recursos médicos. E muito eficientes. Mas o corpo, esse instrumento estranho não se cura só por aquilo que se faz medicamente com ele. Ele precisa beber sua própria música. Música é remédio. Se a música do corpo for feia ele ficará triste-poderá mesmo até parar de querer viver. Em outros tempos, os médicos e enfermeiras sabiam disso. Cuidavam dos remédios e das intervenções físicas boas para o corpo-mas tratavam de acender a chama misteriosa da alegria. Mas essa chama não se acende com poções químicas. Ela se acende magicamente. Precisa da voz, da escuta, do olhar, do toque, do sorriso. Médicos e enfermeiras: ao mesmo tempo técnicos e mágicos, a quem é dada a missão de consertar os instrumentos e despertar neles a vontade de viver...”.
Faço essas considerações porque vivo aos 50 anos de profissão um misto de entusiasmo com o progresso da ciência médica misturado à decepção da falta do toque, da voz, e da escuta. A superespecialização médica confirma uma verdade infeliz a de que “ o especialista sabe tudo sobre quase nada e não sabe nada sobre quase tudo”. Nãoi é que ele não saiba, mas não se responsabiliza por outras áreas. Com isso o paciente é jogado de consultório em consultório e não se cria o vínculo de amizade e responsabilidade tão necessário para se produzir uma boa música naquele corpo. O Recife conta atualmente com cinco faculdades de Medicina e mais quatro no interior. Se abrirem mais dez terá alunos, mas não existe o PROFESSOR pois esse não se faze em série, é um dom especial que exige conhecimento, liderança, afeto por seus alunos e muitas coisas mais. Estão sendo formados prestadores de serviços sem dúvida. Chama, ele vem e resolve tal como o eletricista e o encanador, mas não sabe escutar sua música preferida.
FELIZ 2015. Viva a Orquestra de Médicos do Recife que há 18 anos trabalha consertando instrumentos.

Um comentário:

  1. Mesmo que você não fosse o médico famoso, querido e reconhecido por tantos, essa sua forma de pensar/sentir a Medicina já seria o suficiente para distingui-lo especial, meu caro Dr.Fernando Azevedo. Um médico que não permite que o aparato tecnológico se interponha entre ele e os seus pacientes. Notadamente quando eles são crianças que choram os choros mais variados, inclusive o da falta de carinho. Um pediatra necessita ter a sensibilidade de um músico para distinguir doenças de simples carências. Eu já sabia: meus netinhos estão em boas mãos !

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