FERNANDO AZEVEDO
O SILÊNCIO NO PLAZA
“Tristeza não tem fim, felicidade sim” (A
Felicidade- Vinicius de Moraes).
Em 1960 ou mais uns anos estava eu num ambiente
nobre do Recife, Rua do Rangel, Boate Mauá, algumas doses de Ron Merino na
cabeça e a vontade permanente de cantar. Pedi ao pianista uma palinha e ele
aceitou. Entrei num bolero em tom maior e o povo gostou e mais ainda o
pianista. Quando acabou ficamos nos conhecendo: eu Fernando, ele Torres. Daí em
diante e pelos anos que ele tocou por lá, eu aproveitava pra dar minha canja na
sexta e no sábado e depois... depois eu conto. Os cantores contratados eram Nel
Blu e Marrom. A amizade não parou por ai, continuou por décadas. Sempre
estávamos em contato permanente pela medicina como Pediatra de seus netos e
bisnetos e pela arte. Há mais de dez anos Torres foi tocar no Plaza. Tinha seu
público cativo diário, mas o que ele gostava mesmo era da quarta feira quando
juntávamos uma turma de amigos e ocupávamos o tablado e o cercado que a administração
fez para tentar impedir a invasão. Eu imaginava que câmeras de segurança
passavam o recado para os administradores, pois ao levantar a tampa do piano de
cauda, pulavam de dentro copos, garrafa de uísque, livros com letras de música
e outras peças. Eu dizia, “vais perder teu emprego “ e ele nem nem. Quanto mais
bagunça mais ele e nós gostávamos. O comandante dessa desordem era o cidadão
cearense Emilio, responsável pelo abastecimento de uísque e salgadinhos. Grande
sambista e cantor que Torres acostumado a acompanhar os maiores cantores do
Brasil, não acertava com ele. Elias, Ronaldo, Seu Antonio, Sueldo sempre
esperando a hora da canja para tocar seu tango, Dorany, Luiz e suas músicas
pré-históricas e que Torres conhecia, Aloísio, Ricardo Breno parceiro de Cole
Porter em algumas músicas fato que gerou alguns frutos, Deminha e eu que também
esperava a hora da canja compunham o palco. Lá em baixo as esposas de algunse
Marcelo sempre responsáveis pela organização do Natal, aniversário de Torres e
outras datas festivas. O músico do Plaza perdia a paciência se alguém pedisse
para tocar LÁ CUMPARSITA OU BOEMIA e aí víamos a transformação do belo em fera.
Idiossincrasias que todos nós temos. Não existe no Brasil um pianista com o
repertorio que Torres conhecia. Entrava na música francesa que eu sempre
solicitava, a italiana, a americana e as brasileiras. Uma vez levei uma caixa
de som e um microfone sem fio e nessas horas surgem não sei de onde os cantores
e cantoras. Se fosse ruim ele tomava o microfone na hora ou dizia que ia fazer
um pagamento. Intolerante, e isso também nos divertia. Há dois meses perdemos
esse companheiro e essa alegria de tardes esperadas logo que uma acabava.
Foi-se o nosso Torrinho. Nos meses em que estava em tratamento seguíamos eu,
Deminha, Ricardo Breno e Beltrão toda quarta feira para sua casa como se
fossemos para o Plaza e lá estava o uísque à disposição (dos outros),
salgadinhos e Lizete, Socorro, e parentes a rir das brincadeiras permanentes de
velhos moços. O riso e a arte o mantinham vivo e renascia a cada quarta feira
até enquanto pode. Quando chega a quarta
feira de cada semana, é como se fosse a de cinzas, a do carnaval, mas ficou no
ar, nas nuvens com o se diz na linguagem dos computadores as imagens dessa
bagunça de risos e cantos. No Plaza, no entanto o silêncio é ensurdecedor.
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