sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Reprovação escolar e aprovação automática - Matéria publicada no DP,edição de quinta-feira, 24 de março de 2011


Fernando Azevedo 
Médico Pediatra
fj-azevedo@uol.com.br
Dois encontros num fim de semana me estimularam a escrever esse artigo. No sábado com um querido amigo de infância e juventude, e do basquete do Náutico. Perguntou-me: - Ainda estás trabalhando? E respondi: - Muito. - ´A maior besteira que eu fiz foi não ter me formado. Há 20 anos não faço nada!` dizia-me ele com certa amargura. No dia seguinte, domingo, encontro-me com um querido Professor de matemática ainda de belo porte nos seus 89 anos, mas infelizmente confuso pelo mal do alemão. Devo a esse homem as minhas sofridas aprovações em seguidas segundas época em matemática nos colégios Osvaldo Cruz e Padre Felix, e lembro-me das palavras sinceras sempre ditas à minha mãe. - ´Dona Lulinha ele não sabe nada`. E não sabendo nada ia continuando aos trancos e barrancos. O meu amigo junto com o irmão que era meu maior parceiro em molecagens infanto-juvenis e mais um primo abandonaram os estudos desestimulados pelas reprovações apesar de inteligentes e capazes. Entraram no mercado de trabalho. Eu fui de expulsão em expulsão (garanto que todas por motivos fúteis) até completar seis colégios no meu currículo, chegando ao fim do científico. 

Quando uma moça dizia estar namorando um filho de Dr. Rinaldo Azevedo, perguntavam logo. Qual deles? Eu sofria uma coisa terrível chamada discriminação. Entrando no terceiro ano científico, chegava a hora de decidir minha vida. MEDICINA. Risadas quando tornei pública a decisão. Tranquei-me em casa por um ano, fazendo o Curso Pernambucano pela manhã e estudando a noite no Leão XIII, excelente colégio no curso diurno, e facilitador no curso noturno repleto de adultos, comerciários etc. que queriam voltar aos estudos. Excelente proposta. Entendi que não sabia nada mesmo, mas como querer é poder obtive o sexto lugar entre os aprovados e fui o aluno laureado da turma de 1964 na Faculdade de Ciências Médicas E se fosse reprovado no colégio como meus amigos? O aluno reprovado se desenturmava e era olhado pelos novos colegas como quaseum marginal. 

Quando leio sobre o tema que tem sido tão discutido ultimamente por grandes estudiosos da pedagogia me decido firmemente pela aprovação automática com enorme convicção, pois entendo que cada criança ou adolescente tem seu tempo de maturação. O meu foi tardio. Ninguém é igual. Em toda coletividade existem os certinhos, orgulho familiar, e os dispersos. Hoje tenho certeza que seria enquadrado entre os TDAH e teria tomado quilos de Ritalina. Não, eu era apenas diferente e só gostava das aulas que me eram agradáveis embora nunca tenha desrespeitado um Professor que ainda hoje trato com reverência e muita estima, mas pulava a janela ou era expulso de sala. Música era outra coisa que me deleitava e desde os seis anos tocava piano e poderia ter sido um grande pianista não fossem os preconceitos da época, que piano era pra moça e violão pra boêmio e cachaceiro. Acompanhei meus filhos na vida escolar e nunca vi no colégio um descobridor de talentos, só a rotina irritante de sabedorias inúteis e competitividade extrema. Criança não tem infância. Agora aprendem mandarim. Os Psiquiatras infantis aumentam sua clientela ao verem crianças sem sorriso. 

Um comentário:

  1. Dr. Fernando, percebo o quanto estava perdendo em não acompanhar suas publicações. Agora, de férias, coloco em dia a leitura. Parabéns! O senhor é excelente, como médico, escritor e músico. Meus filhos têm o privilêgio de tê-lo como pediatra. Márcia Regina

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