FERNANDO AZEVEDO
Conta-se que um homem com uma forte dor no testículo
esquerdo seguiu a orientação de um amigo e procurou um especialista num
edifício empresarial. Confundiu a porta e entrou num escritório de advocacia. A
secretária que o recebeu perguntou do que se tratava e ele relatou:- Estou com
uma forte dor no testículo esquerdo. Ela com toda razão respondeu: - Senhor
aqui só tratamos de Direito. Desesperado o homem responde: -Vai ser
especializado assim na p.q.p.
O exemplo ilustra muito bem um dos pecados da formação
médica atual, e que resulta numa tragédia assistencial que se espalhou por todo
o Brasil e que não sei mais onde é a porta de saída, só sei que “trazer
milhares de médicos estrangeiros” como disse em cadeia nacional a presidentA é
uma insanidade. Estou há 50 anos praticando Medicina. A formação dos médicos
mais antigos e que influenciou nossa geração foi a de um conhecimento amplo, os
chamados generalistas. Nada contra os especialistas porque eles são
extremamente necessários e da maior importância para o desenvolvimento e conhecimento
dos sistemas anatômicos, mas não pode cair naquela de “especialista é aquele
que sabe tudo sobre quase nada e não sabe nada sobre quase tudo”. A crise da
assistência médica em cidades do interior existe, sobretudo porque os
INTERIOLOGISTAS foram extintos, os hospitais faliram e não há a menor
possibilidade de atrair um novato. O interiologista era um médico da maior
importância e a ciência uma das mais difíceis. Ele era obstetra de partos
fáceis e difíceis, pediatra, clínico geral e cirurgião para não ir mais além. O
interiologista era formado nas maternidades e pronto socorros e ali ele operava
uma apendicite, retirava uma vesícula, um baço, suturava intestinos perfurados
a bala e furados por faca. Atendia fraturas. Morava nas cidades do interior,
fazia seu nome, seu patrimônio, e a população o idolatrava. Conheço dezenas de
colegas inclusive muitos de minha turma de formatura. Quando fui para o Rio de
Janeiro fazer residência conheci jovens de todo o Brasil e que voltaram para
seus rincões. O que acontece hoje é que a especialização é muito precoce por
uma questão de mercado. Na Pediatria por exemplo temos a neonatologia,
gastroenterologia, pneumologia, alergologia, endócrino, cardiologia,
dermatologia e dispenso seguir a lista,
e os concursos são também focados nas especializações. Não pode uma cidade de
interior ser equipada com tantos especialistas e sem mercado eles ficam nas
capitais e cidades de grande porte. Vocês não imaginam (porque não conheceram) a importância das
parteiras no Recife e no interior. Como acabar com essa classe que tantos
serviços prestou e poderia continuar prestando. Todas as maternidades tinham as
suas, e falo de maternidades privadas.Quando trabalhei em urgências pediátricas
drenei dezenas (acho que centenas) de tóraxes com empiema e pneumotórax. No
Oswaldo Cruz onde trabalhe por 10 anos fiz traqueotomias, dissecção de veias
periféricas, axilares e femorais salvando crianças de morte iminente por
difteria e tétano. Não havia cirurgiões disponíveis e tive que aprender
e ensinar. Não meus brasileiros e brasileiras, cada país tem que fazer suas
adaptações, mas daqui que um cubano entenda que “piriquita chorando,
formigueiro no furico, é uma vulvovaginite e uma oxiuríase a criança já tirou
as calças pela cabeça. Vamos esperar pelo sucesso da importação. Para quem é
provinciano e patriota como eu, da uma pena danada ver nosso país nas manchetes
do mundo exportando mercadoria tão
assombrosamente negativa. A essa altura pra que copa se precisamos de cozinha.
Isso sem falar do médico da família...
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